sábado, 9 de outubro de 2010

VI. A




Babalith não comia nem bebia, mas o astro azul chovia sempre e isso bastava.

Disse-lhe:

"Estas são as regras mais básicas do tonalismo da linguagem. Há também a conhecer que qualquer música se faz com o silêncio, em que os sons são utilizados somente para manipular este silêncio e leva-lo à sublime dança. Assim farás com as tuas palavras, que diga mais o que está entre elas, e o diga de forma concisa e estruturada, do que aquilo que acaba nelas."

Continuo depois:

"Isto sendo sabido, e as matemáticas estudadas, e depois de muitas horas a escutar o mundo com os ouvidos, a pele, os olhos, o olfacto e o gosto, e que o corpo tudo isso imite, abrindo-se do avesso, aprendereis a falar o português enquanto língua do Universo. Letra a letra, palavra a palavra (e esta ainda não é, pois, a dança)."

"Comecemos pelas palavras da letra A. Pois experimentei o som A. A boca abre-se e o ar passa livremente, a língua não se interpõe. O A é pois semelhante às coisas aéreas e à abertura dos céus, e a muitos alívios da alma e do corpo. O peito suspende-se, como se levitasse, e o sangue sobe ao intelecto, à zona cerebral."

"Ora experimentemos a palavra Abade. O B é nos lábios como uma membrana que se rompe, a passagem de uma porta, uma graduação ou uma sublimação, e sendo um som especialmente sentido na zona nasal liga-se muito à sensibilidade do intelecto (o olfacto é um instinto primordial). O D estimula, com a língua batendo no céu da boca e o peito badalando, a zona entre os olhos e a testa, pois a capacidade visionária e a consciência. o E, como em "Abade", é sobretudo manifestado como uma vibração da garganta para o exterior, e a garganta liga-se aqui com a vontade de comunicar, mas também, na sua exteriorização e na vibração das glândulas gustativas, com a fome, não sendo de admirar que a imagem do abade seja aquela de um homem farto."

"Concluímos daqui que o abade é um homem dedicado a governar outros homens, um artista do intelecto e das ciências da consciência. Abade, musicalmente, pode-se traduzir da seguinte forma."

'Imenso céu (A), ao beijo das mulheres (B) um campo aberto (A)
Maçã, o coração uma serpente (D), palavra e corpo intermitente (E).'

"É esta configuração, este conhecimento da sensualidade do espírito e do impulso da tentação, mantida em tensão/relaxamento criativa, que o faz viril. Abade vem de Pai, e era, em todo o caso, o pai espiritual."

"Mas avancemos com outros exemplos, como 'Amar'. O M vibra desde os pés até ao que se parece sentir como uma zona acima da própria cabeça. É uma existência do corpo que se rende e entrega à sensação, é um corpo feito mar. 'A' - 'mar', a abertura do mar, o evanescente da mente aberta solidificando-se em sensação, em paz e sentimento e um prazer intenso só possível a partir dessa paz e desse sentimento. R, como em amar, cela a palavra, ele é como um abraço, é onde a língua retém o fluxo musical."

"Não fugindo muito à primeira exemplificação:

'Imenso céu, rendido no cálice da manhã,
Planície vasta, o fogo do lar e o afã.'"

"Assim se disse amar."

"Ou, se queremos pronunciar a palavra 'Ar':

'Céu imenso, que abraço e nunca venço'"