segunda-feira, 21 de junho de 2010

10.


First Woman - Babalith

Babalith encontrou-se com uma metrópole de vidro branco, e um palácio de papel do qual pendiam esferas de pedra cinzenta. Dentro das paredes de vidro, do solo envidraçado como dos telhados, existiam ainda muitas cidades. De todas as cidades, Babalith sabe que só a cidade onde ela está pode ser irreal, porque é a cidade que corresponde aos seus desejos – é por isso parte do seu sonho tão-somente. Babalith tem ainda de encontrar o outro, esse é o seu empreendimento heróico, o de romper a membrana do sonho.

De veios de cristal uma fonte eléctrica, que sete musas inspiram, ilumina a sala e uma mulher, semelhante a Babalith, faz-se ver.

Disse-lhe ela:

“Apaguei a razão e a loucura dos milhões de anos, rejeitei a herança da humanidade, e sou por isso a primeira mulher. A ignorância purifica o corpo e torna-o sábio. Todos os caminhos, todos os esconderijos da vida, toda a terra havia sido descoberta, mas faltava ainda que fosse corpo vivo em nós, que a descobríssemos em conjunto com a própria. Este é o caminho para o outro, e vós que o outro escolhesteis, em Agharta podereis pisar porque sereis o povo eleito. Não sabe ainda a mulher que a terra é o sol, precisa para isso de descer à bruma da sua profundeza.
Agora, todas as estátuas caíram sobre as cabeças das mulheres, o homem morreu primeiro. Toda a veneração aos ídolos chegou a um fim. A humanidade está morta. Vós ainda não havíeis procurado o outro, e então criastes deuses para companhia: porque o indivíduo não existe sozinho, logo se fragmenta em mil espectros e torna-se putrefacto.”

E viu Babalith que aquela mulher era, na verdade, uma porta.


fim da primeira parte

domingo, 20 de junho de 2010

9.


Babalith and the Great Eye - Babalith


Na sua peregrinação, alcançou Babalith uma câmara vazia de gente onde podia observar vários postais de cidades que conhecera à superfície, mas retratando o seu passado. Por exemplo, cidades com estações de autocarro e pessoas à conversa na paragem, viadutos com carros de vidro aberto, meninas com sombrinhas pousadas debaixo de pinheiros. Vendo estes postais do passado pensou Babalith que fossem retratos do futuro. De lágrimas nos olhos, a si mesma assim falou:
“Tu que procuras companhia, e que a ti própria te procuras, quando te lembrares que o teu coração tudo tem de comum com o do vizinho, sofrerás a tua própria mágoa. Em ti estará tudo o que é vivo e novo. É terrível ficar com os outros, porque nos outros somos nossos juízes. Mas regozija na companhia da tua próxima para que um dia tudo te seja verdadeiro."

Horned Wolf

segunda-feira, 14 de junho de 2010

8.



Fantasy - Babalith


Babalith chegou a uma cidade em meia-Lua, subterrânea, exposta em degraus. Num, catedrais de água, que serviam como piscinas. Noutro, palmeiras cujas folhas eram harpas nas quais as correntes de ar vinham tocar. Noutro, uma grande mesa de mármore fazia uma praça inteira, habitada por vários alimentos. Ninguém percorria a cidade. Por isso, Babalith sentou-se a falar com o mesmo ar que, para ela, tocava harpa.
“Eis que chegou o dia em que o homem olhou a cidade, e se perguntou, que desejo ou terror esconde a cidade? Que pergunta lhe tenho de responder? Outro dia chegou em que o homem olhou o seu próximo e perguntou, que desejo ou terror esconde este indivíduo? Que pergunta lhe tenho a responder? E esse homem era o homem que sonhava com esfinges. Nesse dia o homem refugiou-se das cidades e do próximo, e refugiou-se em si mesmo: nesse dia o homem perdeu-se a si mesmo. No centro da cidade, no centro do outro, e no centro de si mesmo criou dois altares, o Tu, e o Eu. Esse era o homem que sonhou ter banido o Ser. A mulher desse homem ensinou a seguir: amai não o que está próximo, mas o que está longe, não o que é, mas o que virá. Essa mulher populou a cidade de fantasmas e, observando o homem, via uma multidão de espectros. Esse dia, em que um pegou na carne e nos ossos do vizinho, para libação, foi o dia da inauguração da máquina.”

Horned Wolf

sábado, 5 de junho de 2010

7.



Watching You Sleep, Babalith


Deixando as sondas para trás, Babalith vai deparar-se com o inesperado. Numa câmara dos túneis labirínticos encontra homens verdadeiros, adormecidos e circundados por ecrãs e rádios. Contemplou-os durante um dia. Eram persas, turcos, mas a maior parte sírios. No segundo dia, Babalith arrancou um ao seu sono. Mas como que o homem não sabendo falar a língua das mulheres e a mulher não sabendo falar a língua dos homens, puseram-se a contar tudo o que haviam visto e percorrido com mil gestos, saltos, expressões de espanto, de temor, latidos e gemidos, ou puxando das vestes objectos. Cada movimento contava uma história, por exemplo, a palidez da anca era a Lua. O pescoço as torres nos palácios mais altos. Os belos ombros o exército imperial. Do homem, os pés eram vales verdes, a cintura uma floresta de sátiros bêbedos. Nos gestos um do outro, aperceberam-se de um vasto mundo que ainda não havia sido descoberto. Depois o homem, mostrou-lhe uma caveira coberta de musgo, que entre os dentes apertava uma esmeralda, apontou, insistindo, e voltou ao sono.

Pôs-se por isso Babalith a meditar sobre o novo significado de tudo. E falou assim na sua mente:
“Só o terceiro pode levar a conversa de mim para mim às intensidades, pois todas as profundidades que não sejam intensas são abismos artificiais. É com o nosso medo do terceiro que fugimos a nós mesmas e nos abandonamos à morte morta como cadelas traidoras. É preciso, junto de um amigo, cessar toda a guerra, e encontrar por isso paz dentro de nós. Não lhe resistir, apresentarmo-nos perante ele sem máscara, nuas. Depois nunca mais ninguém nos desprezará, porque o desprezo é a própria máscara.”
E fitando, continuamente, o semblante adormecido perto da caveira, pensou seguidamente:
“Tem sido razão da minha angústia que a Mulher durma, como o homem dormiu e depois morreu. Achei que a despertaria com discurso e agitação. Hoje, esse sono é a razão da minha alegria e do meu furor. Estimulada pelo amor, olhando este homem no seu sono, na ondulação do seu peito, é a sua alma que eu vejo, ao vivo, sem véu. Reconheço nisto a chave para despertar. E sabendo ver, com olhos despertos pelo desejo, o outro a dormir, e sendo igualmente vista como aquela que dorme, não seremos mais mulheres e máquinas, mas almas vivas e arrancadas à sua hibernação, comunicando e celebrando os mundos bailantes como numa dança de pétalas ao vento.”

Horned Wolf

terça-feira, 1 de junho de 2010

6.



Babalith at the Gates of Agharta, Babalith


Quiseram expulsa-la mas aproveitando a sua cegueira, e sendo minuciosa, Babalith deixou-se ficar, pois suspeitava de alguma coisa. Percebeu que as zonas escavadas abriam fontes de petróleo, e calculou que a secura que formava o deserto se devia a um mar negro que existia no subterrâneo. Dos túneis, viu sair muitas sondas, e outras entrar. Lá em baixo, talvez encontrasse o reino do seu inimigo, depois do vazio.
Pôs-se a caminho enquanto cantava para as máquinas:
“É bom que procurem o vazio que sustém a terra, tudo o que está tapado pelo chão sabe silenciar-se, e o que é o silêncio, se não a mulher verdadeiramente despida? E a mulher verdadeiramente despida, o que é senão a morte que amamenta a Alma do Mundo? Há bosques que crescem no silêncio, e o não perturbam. Todas as coisas vivas procuram a protecção da treva, e a gostam de nutrir. Sabeis, sondas, de onde a necessidade de escrita? Do comércio apodrecido, o comércio do império da moeda sobre todas as coisas objectivas, do império da coroa que governa sem rei - este amor dos sinarquistas. Não, tudo o de melhor que é representado, torna-se no pior. Cautela, porém, sonda, vós que aprofundais a espada na própria carne, e que penetrais o nosso astro vivo, por serdes profundas deixareis de sofrer, as moscas não sobreviverão no subterrâneo e nem, onde arde o fogo, o verme. Mas existe algo de maior e mais perigoso, esse algo é, como eu, um vampiro. Ele é o Deus a quem ninguém chora ou adula, aquele que ninguém ainda representou: o Rei Lagarto. Este Vampiro existiu no Tempo do Homem, e o seu castelo era o Verbo.”

Horned Wolf

5.


Babalith Seen from the Blind Woman, Babalith


Os ringues imobilizaram-se. As arenas do amor paralisaram. De um terraço chegou-se à frente uma negra com um puma negro atrelado. Todas fitavam Babalith em silêncio, e com um arrepio, reparou a mesma numa cegueira geral, ainda que as máquinas continuassem a desenhar tatuagens na pele nua das mulheres que as não podiam ver. A negra gritou e apontou a vara em direcção a Babalith. “Há uma cega entre nós” As outras urraram em acordo. Os robôs abandonaram Babalith. “É uma louca que vem dos pináculos e, ou enlouqueceu por passar muito tempo nos pináculos, ou a sua loucura leva-a a falar por cima de nós.” Babalith apertou a pelugem do leão branco. “Vejam,” continuo, invisual, a negra, “esta mulher não é nova, no tempo dos homens, chamavam-na de Estado. O que ela chama de amor é a frieza apagada da máquina: ela diz, «eu sou a Mulher», e tem por mulher um código que é todas as mulheres. Nenhuma mulher é como qualquer outra mulher. Esta mulher não está certa, há ainda uma coisa que devemos odiar com a força das entranhas, e essa coisa é o Estado, essa coisa é Babalith. Aprende a falar a língua das pequenas para lhes poder depois mentir. Destruímos os nossos ídolos e ela vem-se apresentar como o novo ídolo.
“Vede, ela fala do que é bom e do que é mau, e quer-nos umas boas e outras más, para que os bons e os maus possam morrer dentro do Estado. É preciso matar ainda a sua cultura, pois o conhecimento vem da ignorância. Não, nós não procuramos poder, tal como não procuramos o ar que respiramos. Ela quer ser o ídolo e nós as idólatras, mas eu digo-vos: ainda não aprendeu o macaco a adorar ídolos, e é por isso são.
“Afastai-vos, ó domadora de albinas feras, nós vestimos o negro, e nada temos contigo. Falais de sacrifícios a um abismo, mas o macaco não pensa em sacrifícios. É, por isso, são. Não precisamos da tua língua, o silêncio do deserto ensinou-nos tudo aquilo de que necessitávamos."


Horned Wolf